O que se convencionou chamar de Linha do Cantagalo pela E. F. Leopoldina correspondia a apenas parte da E. F. Cantagalo, ferrovia original da região. Entre 1860 e 1873, a linha foi construída e aberta entre Porto das Caixas e Macuco, além da cidade de Friburgo. Essa linha originalmente tinha a bitola de 1,676m, depois reduzida para 1,109m e finalmente para métrica. O prolongamento desde a estação de Cordeiro, nesse trecho, até Portela, Às margens do rio Paraíba do Sul, somente foi aberto por pequenos trechos, entre 1876 e 1890, e esse trecho no início era chamado de Ramal Férreo do Cantagalo. Em 1890 a Leopoldina já era dona de todo o trecho, e passou a utilizar o termo Linha do Cantagalo. Esta linha foi fechada por partes: entre Cachoeiras de Macacu e Portela a supressão ocorreu em 1967, enquanto que o trecho inicial foi suprimido em 1973. Os trens de passageiros acabaram antes: entre 1962 e 1963 no trecho Cantagalo-Portela e em 15 de julho de 1964 no trecho Cachoeiras de Macacu-Cantagalo. Em 1969, o trecho inicial do ramal também teve os trens cancelados."
ESTRADA DE FERRO DE CANTAGALLO
(1857 – 1873) 

Por Vanessa Cristina Melnixenco
 Em meados do século XIX o Brasil é o maior produtor mundial de café, hegemonia alcançada desde a década de 1830. A rubiácea representava 41,5% de todos os produtos exportados pelo Império tornando-se, assim, a base econômica do Estado nacional em construção, sustentáculo da Monarquia. Esse sucesso foi possível graças à grande extensão de terras virgens disponíveis, mão de obra escrava farta - que possibilitava o barateamento do custo da matéria-prima -, conjuntura internacional propícia e mercado externo em alta.

O principal polo de produção cafeeira no país era a região do Vale do Paraíba fluminense, do qual fazia parte a Freguesia de São Pedro de Cantagalo, localizada nos “Sertões de Leste”. Segundo o Almanak Laemmert, em 1850, Cantagalo já contava com 111 fazendas de café. Foi neste período que a freguesia alcançou o auge da sua prosperidade econômica e comercial, sendo reconhecida como o farto celeiro da terra fluminense e um dos principais fornecedores do ouro verde do Império. Todavia, o escoamento da produção até os portos era um grande problema a ser enfrentado. ​​​​​​​
Neste período, para ir da Corte a Cantagalo, e vice-versa, percorriam-se, praticamente, os mesmos caminhos do início do século. A travessia era difícil e perigosa. Difícil, devido às estradas de terra que nas épocas de chuva tornavam-se intransponíveis, e perigosa, graças as encostas íngremes que obrigavam os transeuntes a se locomoverem mais a pé do que montados. A produção de café, principal renda de Cantagalo e região, sofria com o transporte precário, realizado pelas tropas de muares, sujeitas aos perigos da travessia do vale do Macacu que, além de demorada, implicava prejuízos aos agricultores que podiam perder suas safras, animais e escravos durante o trajeto. Em 1836, o presidente provincial Rodrigues Torres já alertava que Era indispensável tornar esse percurso transitável por veículos de rodas. No entanto, a ideia de construção de uma estrada de ferro que rasgasse de norte a sul a área produtora, transportando a baixo custo e com maior eficiência toda a safra do centro-norte fluminense era muito mais oportuna do que a construção de uma simples estrada de rodagem. A iniciativa de tal empreendimento que ligaria as margens do rio Macacu a Cantagalo coube ao Visconde de Barbacena responsável pela organização de uma sociedade cujos estatutos foram aprovados por Decreto Imperial de n. 1.809 de 23 de agosto de 1857.
 Todavia, não sendo ultimado o contrato, a concessão foi transferida ao Barão de Nova Friburgo, Antonio Clemente Pinto, um dos homens mais ricos do Império, fortuna1 construída através de apostas em negócios bem sucedidos, “antecipava-se aos acontecimentos e lucrava com eles”. Tornou-se um fazendeiro-capitalista, proprietário de 16 fazendas na região de Cantagalo e diversas moradas na capital, além de apólices, ações e sociedades. As dependências de suas fazendas eram montadas com técnicas modernas para a produção e beneficiamento de café. Além disso, foi idealizador da estrada de ferro que interligaria a Região Serrana à Baixada Fluminense, solucionando, assim, o escoamento da produção do café na região.
O Barão de Nova Friburgo, juntamente com outros capitalistas , organizou a Sociedade Anônima Estrada de Ferro de Cantagallo, aprovada pelo Decreto 1.997, de 21 de outubro de 1857. O capital disponibilizado para companhia pelo governo provincial era de 2 mil contos de réis, divididos em dez mil ações de 200 mil réis. O investimento do governo na construção de estradas de ferro, não se dava apenas para procurar aumentar as taxas de exportação de café, mas também “visava garantir o apoio dos cafeicultores em relação ao Estado Imperial, após a efetiva suspensão do tráfico atlântico de escravos”. Para facilitar a execução, o projeto foi dividido em três seções, cujos contratos seriam feitos separadamente: a primeira, de Porto das Caixas a Cachoeiras de Macacu; a segunda, de Cachoeiras a Nova Friburgo; e a terceira; de Nova Friburgo a Laranjais. No dia 08 de novembro de 1859, iniciaram-se os trabalhos de campo. A construção do primeiro segmento seguiu a rota já existente utilizada pelas tropas de muares. Foi preciso apenas construir pontilhões sobre rios e aterrar as depressões sujeitas à inundação, abrir túneis e fazer as devidas obras de arte, sem necessidade de grandes cortes. Sua execução não apresentou grandes dificuldades, tanto que foram gastos apenas cinco meses para a obra.
Grande foi a comoção de todo o Império diante de mais um empreendimento bem sucedido e tão esperado durante os meses de construção. A inauguração da estrada teve lugar na estação de Porto das Caixas em 22 de abril de 1860, um dia que assinalava o “principio de uma éra de melhoramentos e vantagens para a parte da provincia do Rio de Janeiro” , contando com a presença de Suas Majestades Imperiais e “um grande concurso de povo de todas as classes” , todos desejosos de testemunhar o grandioso fato. De acordo com o jornal L’Illustration, o porto estava todo ornamentado com bandeirolas movimentadas pela brisa fluvial e, próximo ao cais, fora montado um grandioso arco do triunfo neoclássico com dois frontões triangulares contendo cada um o brasão imperial encimado por oito bandeiras do Brasil Império. Próximo, a fumaça negra da locomotiva subia ao céu, anunciando a presença do moderno “titã”, o vapor. Era uma cena imbuída de grandeza e simplicidade. Logo, os sinos tocaram, os foguetes, disparados, anunciando que a benção havia sido dada e, em alguns momentos, o trem crescia em tamanho, aproximando-se da multidão que enchia o ar de hurras.
Segundo o jornal A Actualidade, a “festa industrial” foi brilhante e animada e, logo após a volta do trem vindo de Cachoeiras, foi oferecido pelo Barão de Nova Friburgo aos Imperadores um “esplêndido” jantar de 250 talheres na estação de Porto das Caixas. Graças à inauguração da estrada, o Barão de Nova Friburgo foi agraciado com a mercê de honras de grandeza. Em ocasião do evento, o jornal franco-brasileiro Courrier du Bresil, publicou uma poesia de autoria do Barão de Geslin intitulada “La locomotive”, na qual os versos faziam uma alusão a uma linha férrea que partia rumo ao progresso, cortando o país com sua abundância. A estrada, desde Porto das Caixas a raiz da serra de Nova Friburgo, percorria 25 milhas (aproximadamente 40 quilômetros) que podiam ser vencidas em uma hora e quarenta e cinco minutos. Em Porto das Caixas foi construído o primeiro túnel ferroviário do Brasil, com a extensão de 33,85 metros. Aberto em terreno argiloso e revestido por tijolos ainda pode ser visto parcialmente hoje em dia, pois foi aterrado. As duas locomotivas adquiridas para o primeiro trecho eram da companhia R & W Hawthorn de bitola de 1.60m. O custo de sua construção foi de 2 mil e 800 contos de réis.
Diante da vitória da empresa, o Barão de Nova Friburgo, presidente da Companhia, decidiu tomar a responsabilidade sobre a construção do segundo trecho que compreendia a distância entre Cachoeiras e Nova Friburgo. No entanto, havia problemas na estrada que precisavam ser solucionados, pois a estação de Porto das Caixas surgia como uma estação intermodal de transporte ferroviário, rodoviário e fluvial. Disse o presidente da Província Ignácio Francisco Silveira da Mota, em relatório de 1º de junho que 
Não dando o rio Macacú navegação a barcos de vapor até o Porto das Caixas, onde é presentemente o ponto de partida da estrada, nem mesmo sendo essa fácil, antes difícil, até aos portos de Sampaio e Vila Nova, por depender das marés e da desobstrução da foz, e, de cortes em diversas voltas do mesmo rio, parece-me ser isto obstáculo muito sério, que deve chamar a atenção da companhia [...] (VACONCELLOS, 2004, p. 40).

No mesmo dia da inauguração da estrada, o Jornal do Commercio já havia chamado a atenção para tal fato:

O rio do Porto das Caixas, tributario do Macacú, tem em grande parte do anno tão pouca agua que contar com elle para a expedição regular dos productos vindos pelos comboios seria condemnar a estrada de ferro a um deploravel atraso. É pois forçoso procurar no rio Macacú um ponto sempre accessivel á navegação, de modo que não sejão preteridas as necessidades vitaes da empreza e do publico. [...] Assim a primeira e mais urgente necessidade da estrada de ferro do Porto das Caixas é a sua continuação até Villa-Nova, ponto de embarque facil e sempre prompto. Ahi o rio Macacú é largo e fundo, e a sua margem perfeitamente adequada aos serviços que della se possão requerer .

Para que a questão fosse resolvida, foi decretado pelo governo provincial em 1863, o prolongamento da estrada até o porto de Vila Nova que ficou a cargo dos comerciantes Rouland Cox e John Willians. O novo trecho foi inaugurado em 16 de novembro de 1866. Conforme o artigo assinado por Dr. Semana da revista Semana Illustrada, esse feito foi mais um passo para o progresso. Emquanto a provincia do Rio de Janeiro dispender seus capitaes nestes e outros melhoramentos, que augmentaráõ de certo deu futuro, ninguem deixará de applaudil-a pela boa applicação de suas rendas. 

Agora, a Estrada de Ferro de Cantagallo, desde Vila Nova até Cachoeiras, contava com 49,1 quilômetros de extensão, sendo 9,1 quilômetros de Vila Nova ao Porto das Caixas; 27 quilômetros do Porto das Caixas até a estação de Sant’Anna, e 13 de Sant’Anna a Cachoeiras. Para o transporte de qualquer gênero alimentício era cobrada a quantia de 15 réis por arroba. Para as demais cargas como líquidos, animais, materiais de construção e utensílios, os preços eram variados. Para passageiros, o valor variava quanto à classe, sendo a primeira na quantia de $500, a segunda em $800 e a terceira em $500.
Em 5 de maio de 1868 era autorizado, por deliberação do presidente da Província, o prolongamento da estrada de ferro de Cachoeiras a Nova Friburgo. No entanto, falecendo no ano seguinte o principal concessionário da empresa, o Barão de Nova Friburgo, o comando da organização foi assumido por seu filho, o bacharel Bernardo Clemente Pinto Sobrinho. Em 12 de março de 1870, Bernardo firmou com a Província o contrato da segunda seção.

No mesmo mês, dia 25, eram inaugurados os trabalhos da construção da via sob grandes festejos. Diante da presença de numerosos cidadãos que vinham prestigiar o fato, coube ao engenheiro fiscal da linha, o Dr. Theodoro Antonio de Oliveira, após as típicas cerimônias, mover a primeira pá de terra. Logo após, foi lavrado um auto de inauguração, assinado por todos os responsáveis. Os jornais registraram que as comemorações pela inauguração eram entusiásticas em Nova Friburgo. As ruas da vila foram enfeitadas com arcos e bandeiras, mantendo-se iluminadas por três noites. A banda de música também se apresentou e, ainda, foram soltos fogos de bengala . Segundo o periódico A Reforma, o tributo de reconhecimento que a população de Nova Friburgo manifestava a Bernardo Clemente Pinto Sobrinho era uma animação justa ao cidadão elevado, que, tendo recebido de seu digno pai uma grande fortuna e podendo no gozo d’ella evitar todo o incommodo e trabalho, entrega-se aos incommodos e trabalhos para beneficiar os seus concidadãos.
No dia 07 de abril, os friburguenses continuaram com suas manifestações de júbilo. Nesta data foi mandada celebrar uma missa e um Te Deum na igreja matriz, presenciada por grande número de pessoas, inclusive por Bernardo e seu irmão, o Barão de São Clemente. Logo após o término da cerimônia, todos foram recebidos para um almoço na casa do Barão de São Clemente, durante o qual foram dados muitos vivas e dedicados muitos discursos e buquês de flores ao empresário Bernardo. Este, comovido pelas demonstrações de afeto, agradeceu por meio de um discurso. No dia seguinte, chegou à vila o Dr. Theodoro de Oliveira. A notícia foi divulgada e logo os habitantes soltaram muitos foguetes. Com a banda de música a sua frente, a população se dirigiu até o hotel onde estava hospedado, com intenção de saudar e agradecer ao engenheiro fiscal os relevantes serviços que prestava a bem da linha férrea em construção10 .

A segunda seção da estrada que ligaria Cachoeiras de Macacu a Nova Friburgo compreendia mais de cinco léguas de extensão. De acordo com o jornal O Novo Mundo, a Estrada de Ferro de Cantagallo subiria os 18 quilômetros de serra com a mais nova das conquistas da engenharia moderna: a aplicação de um terceiro trilho em meio a dois trilhos comuns. Esse sistema, denominado Fell, era o mais apropriado para subir elevações, tendo sido utilizado pela primeira vez, havia dois anos, na construção da estrada de ferro do Monte Cenis, ferrovia que atravessava os Alpes entre a França e a Itália. Aliás, a construção da Estrada de Ferro de Cantagallo só não foi prolongada após sua chegada a Cachoeiras, não somente pela falta de capitais disponíveis, mas também, pela inexistência de uma solução viável para a subida de serra tão íngreme. Problema que foi resolvido com o modelo do Monte Cenis, que se mostrou perfeitamente praticável e seguro. E como bem enaltecido pelo jornal Diario de Noticias, a Estrada de Ferro de Cantagallo mereceria muitos elogios além dos que a do Monte Cenis, já que não ofereceria os inconvenientes de nevascas e grandes curvas

De acordo com o Jornal do Commercio, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, com o intuito de fazer um trabalho bem feito e seguro, optou por entrar em contato diretamente com o engenheiro construtor da estrada de ferro do Monte Cenis, o engenheiro John Barraclough Fell, ao qual remeteu uma planta da estrada pedindo-lhe parecer sobre as condições de execução estabelecidas no contrato. Fell, por sua vez, aconselhou alguns melhoramentos nas locomotivas e nos carros. O empresário também havia pedido ao engenheiro inglês que os examinasse quando estivessem prontos, pois não seriam aceitos sem sua aprovação.

As três locomotivas encomendadas por Fell eram da companhia Manning, Wardle & Cia e encontramos o desenho original destas locomotivas feitas exclusivamente para a Estrada de Ferro de Cantagallo em 1872. Nos estudos feitos por Helio Suêvo Rodriguez para seu livro A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro, não existe referência da interferência de Fell na construção da Estrada de Ferro de Cantagallo e com as pesquisas podemos ver a participação ativa do engenheiro tanto na avaliação da planta da estrada, como na escolha e construção das primeiras locomotivas

No dia 06 de fevereiro de 1871 foram inauguradas na vila de Nova Friburgo as obras da estação da via férrea de Cantagallo. A população friburguense esperava ansiosa pelo melhoramento e, na noite anterior, as casas já se encontravam iluminadas e a banda de música festejava em frente ao local onde seria levantado o prédio da estação. No dia 06 às 11 horas da manhã deu-se início a benção. Ao redor de um tablado onde estavam as autoridades do local e o empresário da estrada, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, havia grande número de pessoas que testemunhavam a solenidade. Finda a cerimônia religiosa, o engenheiro da estrada em construção Dr. Theodoro Antonio de Oliveira, leu o auto da inauguração que foi assinado pelo Presidente da Província e por mais de sessenta pessoas. Então Bernardo apresentou-lhe uma colher de prata14, que em uma das faces tinha a seguinte inscrição: “Estrada de Ferro de Cantagallo. Para o lançamento da pedra fundamental da Estação de Nova Friburgo em fevereiro de 1871”. E na outra face: “Ao Ex. Sr. Dr. Theodoro Machado Freire Pereira da Silva, Presidente da Província do Rio de Janeiro, o emprezario Bernardo Clemente Pinto Sobrinho”. Colocada a pedra fundamental do edifício, a população explodiu em vivas ao som do hino nacional.

Na edição do dia 26 de julho de 1871, o periódico A Reforma iniciava um de seus artigos da seguinte forma:
“O mundo civilisado teve mais um impulso na carreira do progresso. O Brazil conta hoje mais um feito brilhante na historia do seu adiantamento. A provincia do Rio de Janeiro foi enriquecida com mais um tesouro”. Essas palavras eram devidas à primeira experiência de rodagem de uma locomotiva na segunda seção em construção da Estrada de Ferro de Cantagallo .

No momento, a estrada já contava com cerca de duas léguas constituída por extensos pontilhões, distinguindo-se a ponte de ferro sobre o rio Macacu montada sob os auspícios do operário Felippe Carpenter. A locomotiva também havia sido montada sob a direção do mesmo operário nas oficinas da Companhia, dirigidas pelo Visconde de Barbacena. As obras da linha eram responsabilidade do engenheiro Julio von Borell du Vernay.
Na tarde do dia 22 de julho Cachoeiras parou. Todos se apinhavam em frente a estação ou a ponte, para assistir ao espetáculo tão esperado: a gloriosa passagem do trem. “Aqui e alli divisava-se a alegria, a satisfação de ver realisada essa idéa feliz”. Com efeito, às quatro e quinze da tarde, ouviu-se o apito do trem, a locomotiva partiu e a ponte “gemeu orgulhosa” sob seu peso. E o povo exaltado, comemorou pelo prazer de assistir ao “progresso”. E finalmente, a jornada teve fim com a volta da locomotiva às oito horas da noite, sem ter sofrido nenhum acidente durante todo o percurso. 
A Estrada de Ferro de Cantagallo era a primeira estrada no mundo na qual funcionaria de modo definitivo o sistema Fell, que consistia, essencialmente na colocação no centro da via ordinária de um terceiro trilho de duas cabeças elevado sobre os trilhos laterais, com o duplo fim de aumentar o peso da locomotiva e servir de guia nas curvas de pequeno raio. Por isso a locomotiva possuía dois pares de rodas horizontais debaixo de seus eixos extremos, que podiam ser mais ou menos aproximadas uma da outra por meio de um parafuso, de forma que os dois pares de rodas fizessem maior ou menor pressão sobre as duas cabeças do trilho central, o que permitia guiar a locomotiva nas curvas.

Movendo-se as rodas horisontaes da locomotiva por meio de braços presos na cabeça do piston dos ciylindros, é facil de perceber que se obteve uma segunda machina com pouco augmento de peso da locomotiva; e como nos fortes declives a gravidade da locomotiva absorve a maior parte da força da mesma, tem-se o meio de vencer fortes declives puxando a locomotiva um trem proporcional á adherencia ou pressão das rodas horisontaes da machina sobre o trilho central; força util que não se póde obter com uma locomotiva ordinária, em que a adherencia das rodas sobre o trilho depende do peso da mesma .

Como as ferrovias eram uma tecnologia forânea, coube ao empresário Bernardo recorrer a Centre Rail Comp., empresa que detinha os privilégios para a fabricação do material fixo e rodante de estradas de ferro. A construção das locomotivas necessárias custou cerca de vinte contos, com a prerrogativa de que fossem de qualidade superior às que trabalharam no Monte Cenis. No entanto, as locomotivas já citadas anteriormente construídas pela companhia inglesa Manning, Wardle & Cia ficaram mais pesadas, em torno de 36 toneladas inglesas. Esse peso sobre os trilhos que foram empregados na Estrada de Ferro de Cantagallo, seria excessivo. Diante disso, Bernardo envia à Inglaterra um engenheiro de sua confiança com finalidade de comprar três máquinas que tivessem sido usadas no Monte Cenis para assim, evitar mais enganos e desperdício.​​​​​​​
Enquanto se tratava na Europa da compra das locomotivas que tinham servido no Monte Cenis, chegavam ao Brasil duas novas locomotivas Manning, Wardle & Cia encomendadas a Centre Rail Comp.. Sendo montadas e experimentadas, as novas locomotivas se mostraram inadequadas. Quando em subida, faziam impressão nos trilhos devido ao peso e, embora puxassem com facilidade 40 toneladas de trem, quando a pressão da caldeira chegava a 10 atmosferas, conservavam esta pressão somente em um quilômetro de marcha, sendo forçada uma demora de 5 até 10 minutos para pôr água na caldeira e obter-se outra vez a pressão de 10 atmosferas. Contudo, apesar das dificuldades expostas, estas novas máquinas foram empregadas na condução do material da obra até o Alto da Serra

Pelo contrato firmado com a província, Bernardo havia se comprometido a fornecer três locomotivas do sistema Fell. Todavia, reconhecendo a inconveniência de trabalhar com essas máquinas em trechos da estrada em que não houvesse trilho central, resolveu que as locomotivas Fell somente trabalhariam no segundo trecho da estrada, isto é, entre Boca do Mato e a estação do Alto da Serra, devido ao seu declive máximo de 83 milímetros, como no Monte Cenis, devendo trabalhar entre Cachoeiras e Boca do Mato uma máquina de sistema ordinário, já que o declive máximo desse trajeto não é superior a 33 milímetros. ​​​​​​​
Segundo o especialista em locomotivas da época, Conselheiro Ottoni, se comparada à linha do Monte Cenis, a de Cantagallo teria muito mais garantia de segurança no tráfego, graças aos fatores naturais e aos melhoramentos e cuidados no acabamento da estrada. No Monte Cenis, a subida mais difícil tinha 26 quilômetros; a de Cantagallo apenas a metade. Dos 11 quilômetros do Monte Cenis, metade era em curvas; dos 13 de Cantagallo, pouco mais de 40%. Na superestrutura as diferenças eram mais notáveis. Os dormentes da estrada estrangeira haviam sido colocados a um metro de centro a centro, em Cantagallo foi a 80 centímetros. Em cada quilômetro da primeira recebeu 1,000 dormentes, na segunda, 1,667, e de madeira muito mais resistente, onde a longrina (viga longitudinal e que assenta o trilho central) fixou-se mais solidamente. Os sellins (peças de ferro em que assenta o mesmo trilho) eram frouxos no Monte Cenis (0º,80), e foram reforçados na estrada de Cantagallo (0º,50). As escóras que lá foram aplicadas na posição longitudinal, aqui eram oblíquas e alternadas, aumentando assim a resistência lateral. Em vez de grampeados simplesmente, os trilhos foram pregados com parafusos, cujas cabeças descansavam em chapas de ferro batido. Os carros de viajantes e de cargas tinham todos, além do freio ordinário, outro que apertava o trilho central, e também um jogo nos eixos para adaptação das curvas, o que tornava o movimento uniforme .

Em 1873, deram-se início aos testes com as locomotivas. A estrada de ferro foi dividida em três lances entre Cachoeiras e Nova Friburgo. O primeiro deles, de Cachoeiras à Boca do Mato, compreendia 7.540 metros de comprimento com um declive máximo de 35 milímetros e curvas de no mínimo 80 metros de raio. Nesse percurso foi empregada uma locomotiva ordinária. O segundo, de Boca do Mato até a estação do Alto da Serra, na extensão de 12.407 metros, onde o declive máximo era de 83 milímetros e as curvas de mínimo raio de 40 metros, foi empregada uma locomotiva do sistema Fell que trabalharia com o auxílio do trilho central para dar maior segurança ao trem. O terceiro e último lance do Alto da Serra à Nova Friburgo era uma estrada de 15.349 metros, declive de 27 milímetros no máximo, e curvas, as de menor raio, de 60 metros, na qual rodaria uma locomotiva do sistema Fairlie, que venceria facilmente as curvas.

No dia 09 de julho de 1873, à uma hora da tarde partia de Cachoeiras um trem composto de carros de passageiros com 22 pessoas e vários volumes perfazendo o peso de 15 toneladas. 30 minutos após a partida, o trem chegava à Boca do Mato. Ali foram gastos 15 minutos para abastecer de água o trem e revistar o maquinário. Partindo, o trem alcançou o Alto da Serra em uma hora e sete minutos, contando nesse tempo uma parada de 40 minutos na caixa d’água de Juca Penna. Substituída a máquina Fell pela locomotiva Fairlie, o trem seguiu para Friburgo, lá chegando em 39 minutos de viagem, às 15:48 horas23
Os habitantes friburguenses, sabendo que Bernardo Clemente Pinto Sobrinho estava no trem, acorreram para a estação em estilo de chalé a fim de render homenagens ao jovem empresário que aplicava sua inteligência, energia e capitais para o desenvolvimento da localidade. Logo, a estação se achava toda enfeitada por flores, bandeiras e galhardetes. Ao sibilar da locomotiva todos os presentes se puseram em comemorações. Girandolas foram aos ares e as bandas tocaram alegres hinos. Alcançando a estação, Bernardo chamou para junto de si o engenheiro em chefe Borell du Vernay para também receber os entusiásticos aplausos. Bernardo entregava a obra finalizada nove meses antes do prazo estipulado pelo Governo Provincial, no total de 3 anos e 9 meses24 .

Enfim, chegava o tão esperado dia da inauguração da segunda seção da Estrada de Ferro de Cantagallo. No dia 18 de dezembro de 1873, às 7 horas da manhã, partiu da Corte um vapor da Companhia Ferro-Carril Nitheroyense, conduzindo a seu bordo Suas Majestades Imperiais e sua comitiva, além de grande número de convidados. Dali seguiram os viajantes em um trem da companhia da Estrada de Ferro de Niterói a Campos, até a estação de Vila Nova; e deste ponto, em trem da empresa da Estrada de Ferro de Cantagallo, até Cachoeiras. Ali chegaram por volta das 11 horas da manhã, quando foi servido um almoço de 300 talheres, com duas extensas mesas, uma destinada aos hóspedes, e outra para duzentos ou mais convivas. Após a refeição, dirigiram-se todos para um altar erguido no início da 2ª seção, para assistirem a benção da estrada e das locomotivas, ministrada pelo cônego Lyra da Silva. Logo depois, acomodaram-se no trem, que partiu pouco antes de meio-dia. Segundo a revista A Vida Fluminense, “não houve um só que não désse solemne cavaco. Tudo aquillo, Imperador, emprezarios, convidados etc.. não houve um só que naquelle dia não subisse a serra!". Na parada de Boca do Mato, onde se trocou de locomotiva, o Imperador e alguns convidados aproveitaram para examinarem a locomotiva Fell e em Juca Penna, onde a locomotiva parou para o abastecimento da caldeira com água, foram ver um grande pontilhão de arco de 15 metros de altura. Na parada do Alto da Serra examinaram igualmente a máquina Fairlie, a primeira de tal sistema no país.
Pouco depois de três horas da tarde chegou o trem a Nova Friburgo, onde a mais deslumbrante recepção esperava as Suas Majestades Imperiais e os demais viajantes. Além dos cumprimentos de estilo, a população saudava com vivo entusiasmo “a grande conquista do trabalho e da civilização”. A vila encontrava-se toda enfeitada para a ocasião. Segundo testemunho do engenheiro Buarque de Macedo, publicado no jornal A Reforma, nunca em sua vida tinha assistido “em paragens tão affastadas das grandes capitais, festim onde o esplendor melhor sobressahisse” . Ás 7 horas da noite serviu-se em um vasto salão do edifício central da estação, um banquete de cerca de quatrocentos talheres. Entre as celebrações, não foi esquecido o engenheiro fiscal Theodoro de Oliveira que havia sido vítima de um descarrilamento de um bonde na descida da serra em março de 1872, sendo homenageado neste dia o valioso zelo com que havia se dedicado ao empreendimento que todos aplaudiam.
À noite, Bernardo ofereceu aos seus hóspedes um baile campestre no chalet de sua chácara em Nova Friburgo. “Do acolhimento feito [...] aos seus convidados, só com uma palavra se póde dar idéa d’elle – foi principesco. [...] extremada affabilidade d’aquelle cavalheiro, que se prodigalisava em attenções para com os seus hospedes”. Os lagos e parques foram todos iluminados e, em certas ocasiões, fogos eram lançados, cujo brilho era refletido nas águas dos lagos e nas colunas de água dos repuxos, dando o aspecto de uma “festa de fadas”. Só às três horas da manhã retiraram-se os convivas. No dizer de todos foi “a mais sumptuosa festa campestre de que ha noticia no paiz” . 

Apesar da incredulidade de muitos, que achavam ser impossível tal feito, a difícil serra havia sido vencida. Graças aos esforços de centenas de pessoas, a empresa pôde ser um sucesso. Mas todos os grandes elogios recaíam sobre a figura do jovem empresário Bernardo Clemente Pinto Sobrinho que, abnegando-se, dedicou seu trabalho e fortuna à causa pública, arriscando-se a defrontar com críticas e maledicências. Bernardo resumia em si mesmo a nova roupagem do homem letrado e industrial do século XIX, aquele que se dedicava ao trabalho longe do gabinete. Trabalhar já não era mais motivo de desonra, pelo contrário, era um meio de ser exaltado. Para muitos de seus contemporâneos, Bernardo havia conquistado um lugar na história industrial do Brasil, “um logar eminente como o que ocupão Riquet na França e o Duque de Bridgewater na Inglaterra”. E mais tarde, outros testemunhos como o de Agripino Grieco que afirma que 

“a não ser o perspícuo Mauá, ninguém entre nós teve, em seu tempo com tal nitidez a antevisão profética do progresso da indústria ferroviária, da fecunda política dos trilhos e das locomotivas” como o Bernardo Clemente Pinto Sobrinho (GRIECO apud LAMEGO, 2007, p. 369). 

Diante do prolongamento da Estrada de Ferro de Cantagallo até a vila de Nova Friburgo, por ter aproximado as distâncias assinalando mais uma vitória do “progresso”, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho foi agraciado pelo Imperador D. Pedro II com o título de 2º Barão de Nova Friburgo.
Bernardo já havia sido autorizado pelo Governo Provincial a dar continuidade à construção da estrada até a localidade de Santa Maria Madalena, atravessando, na direção mais conveniente, o município de Cantagalo, acontecimento que contribuiria ainda mais para o enriquecimento da província do Rio de Janeiro. Em setembro de 1876, os “wagons do progresso” alcançavam Macuco.

As primeiras vantagens possibilitadas pela chegada da ferrovia foram, evidentemente, a rapidez de circulação de mercadorias, aumento da capacidade de transporte e o barateamento do frete. Como ressaltado por Tschudi (1980, p. 113), a estrada representava economia de tempo e dinheiro. Com a rapidez, os grãos de café chegavam ao consumidor com a qualidade elevada, já que não sofriam com as intempéries naturais que tanto judiavam das tropas de muares, podendo ser vendido por um valor mais elevado, contribuindo para o aumento do lucro do cafeicultor, que também tinha os prejuízos drasticamente reduzidos devido às menores perdas e danos. Já o frete tinha seu custo reduzido cerca de 20%. A liberação de capitais anteriormente imobilizados, podiam agora, ser empregados em melhorias na unidade produtiva, como na aquisição de máquinas para o beneficiamento do café.

Paralelamente a essas vantagens, a estrada de ferro permitia a economia de mão de obra. Por um lado, os fazendeiros reduziam a preocupação com a manutenção e conservação das estradas de rodagem que ficavam sob suas responsabilidades. Por outro, a força de trabalho que era empregada nessas atividades e no transporte de muares, em torno de 20% da mão de obra disponível numa fazenda, podiam agora ser transferidas para a lavoura. Tudo isso acarretava em um aumento da produtividade e, por sua vez, numa racionalização do trabalho.
A necessidade básica para expansão da economia cafeeira era a ampliação de terras destinadas à lavoura. Para que as terras distantes do interior pudessem ser cultivadas com rendimento lucrativo era necessária, além do aumento da mão de obra disponível, um meio de transporte com baixo custo que possibilitasse a aproximação com os portos. 

“A ferrovia introduz, ao ‘encurtar as distâncias’, a tecnologia que viabilizará economicamente a utilização das terras, (...). Transforma-se, portanto, a “terra-riqueza” – fator de prestígio social, em “terra-capital” – garantia de poder econômico”.

A estrada de ferro que alcançou o interior da porção oriental do Vale do Paraíba trilhou o caminho determinado pela expansão da produção de café, que nesta região era liderada pelo município de Cantagalo, daí o seu nome. A ferrovia seria responsável pelo encurtamento das distâncias entre o interior e a capital, barateando os custos e gerando riquezas. A iniciativa do Barão de Nova Friburgo em tomar a frente da empresa revelou, não somente o poder que os cafeicultores detinham naquele momento e que permitia a chegada dos trilhos o mais próximo de suas fazendas, mas também a força que permitiu a esse setor a execução de um projeto tão grandioso, responsável por tantas benfeitorias na região.
Era Leopoldina
Em 1877, a província do Rio de Janeiro encampou a E.F. Cantagalo e posteriormente a empresa foi vendida à Companhia Estrada de Ferro Leopoldina, como dito anteriormente. Em seguida a Companhia Estrada de Ferro Leopoldina adquire comprar uma ferrovia existente chamada de Companhia E.F. do Sumidouro. Essa ferrovia começava na estação de Melo Barreto, depois chamada estação Entroncamento, localizada no município de Além Paraíba, e seguia até Sumidouro, no Estado do Rio de Janeiro. Posteriormente, ela foi prolongada até a estação de Conselheiro Paulino em 1889, fazendo entroncamento com a E.F. Cantagalo.

A aquisição da Estrada de Ferro Cantagalo foi parte de uma estratégia maior da Leopoldina Railway para expandir suas operações no sudeste do Brasil. A Leopoldina Railway, uma empresa britânica, foi uma das principais ferrovias da região, crescendo rapidamente ao adquirir várias linhas menores. No entanto, essa expansão agressiva levou a problemas financeiros significativos, especialmente durante crises econômicas e eventos como a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial​ 

Em resumo, a compra da Estrada de Ferro Cantagalo pela Leopoldina Railway consolidou ainda mais a presença da Leopoldina na região, embora também tenha contribuído para os desafios financeiros que a empresa enfrentaria nas décadas seguintes.





Era RFFSA


A administração da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) sobre a linha da Estrada de Ferro Cantagalo foi marcada por desafios e mudanças significativas. A RFFSA foi criada em 1957, com o objetivo de administrar e modernizar as ferrovias brasileiras, integrando diversas companhias ferroviárias regionais.
A linha de Cantagalo, que inicialmente prosperou sob a administração da Leopoldina Railway, enfrentou dificuldades técnicas e econômicas ao longo do tempo. O traçado da linha era extremamente desafiador, com rampas íngremes e curvas fechadas, o que dificultava a operação eficiente e segura dos trens. Essas características exigiam locomotivas especiais, como as que utilizavam o sistema Fell, um mecanismo único que ajudava as locomotivas a superar as inclinações íngremes da serra​.
Com o tempo, a falta de investimentos adequados e a preferência crescente pelo transporte rodoviário levaram ao declínio da linha de Cantagalo. Sob a administração da RFFSA, alguns trechos ainda utilizavam trilhos e equipamentos antigos, datados da época de sua construção original. Isso tornou a linha menos competitiva em comparação com as novas opções de transporte. Em 1964, os serviços na linha de Cantagalo foram oficialmente suspensos, marcando o fim de uma era para essa ferrovia histórica.
Apesar dos esforços da RFFSA para manter a operação, as limitações estruturais e o avanço das rodovias levaram à desativação completa da linha. As antigas estruturas ferroviárias e algumas locomotivas ainda podem ser encontradas como testemunhas silenciosas da importância histórica dessa ferrovia para o desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro​.​​​​​​​

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